terça-feira, 12 de novembro de 2013

Literatura Portuguesa Na Idade Média



A Corte de D. Dinis, o Rei-Trovador
As primeiras manifestações históricas da literatura portuguesa (entende-se literatura como a arte ou ofício de escrever de forma artística e não deve ser confundida com registos e textos de natureza documental ou notarial) verificáveis provêm de composições poéticas datadas do séculos XII. Ainda que seja provável a existência de formas poéticas anteriores, os primeiros documentos de caracter literário conservados pertencem precisamente à lírica galego-portuguesa, desenvolvida entre os séculos XII e XIV. Esta lírica era formada por canções ou cantigas breves, difundidas por trovadores (poetas) e segréis (instrumentistas) e desenvolveu-se primeiro na Galiza e no Norte de Portugal. Do registo lírico sucedeu-se a prosa medieval.

Trovadorismo

Os trovadores eram aqueles que compunham as poesias e as melodias que as acompanhavam. A designação “trovador” aplicava-se aos autores de origem nobre, sendo que os autores de origem plebeia tinham o nome de jogral, termo que designava igualmente o seu estatuto de profissional (em contraste com o trovador). Ainda que seja coerente a afirmação de que quem tocava e cantava as poesias eram os jograis, é muito possível que a maioria dos trovadores interpretasse igualmente as suas próprias composições.

Trovador e Jogral do reinado de D. Afonso IV
É através dos trovadores que se inicia o movimento literário da língua portuguesa. As suas cantigas, primeiramente destinadas ao canto, foram depois manuscritas em cadernos de apontamentos, que mais tarde foram postas em coletâneas de canções chamadas Cancioneiros (livros que reuniam grande número de trovas).
A mais antiga manifestação literária galaico-portuguesa que se pode datar por conter dados históricos precisos é a cantiga “Ora faz host’o senhor de Navarra“, do trovador português João Soares de Paiva ou João Soares de Pávia, composta no ano 1200 no entanto existem outros textos comprovadoramente mais antigos embora não suscetíveis de ser datados, como o “Cantiga de Guarvaia“, composta por Paio Soares de Taveirós, cuja data de composição é impossível de apurar com exatidão, mas que, tendo em conta os dados biográficos do seu autor, é certamente bastante anterior.
Os mais conhecidos primeiros textos do trovadorismo português estão reunidas em três coletâneas: o Cancioneiro da Ajuda, o Cancioneiro da Vaticana e o Cancioneiro da Biblioteca Nacional (também conhecido como Colocci-Brancutti).

Cancioneiro da Biblioteca Nacional                    Cancioneiro da Ajuda                                                   Cancioneiro da Vaticana
Com base na maioria das cantigas reunidas nos cancioneiros, podemos classificá-las da seguinte forma:
Cantigas Lírico-Amorosas: Cantigas de Amor e Cantigas de Amigo
Cantigas Satíricas: Cantigas de Escárnio e Cantigas de Maldizer
A Cantiga de Amor
Nas cantigas de amor o homem refere-se à sua amada como sendo uma figura idealizada, distante. O poeta fica na posição de fiel vassalo, fica ás ordens da sua senhora, dama da corte, onde esse amor é considerado como um objeto de sonho, ou seja, impossível, que está longe.
Na cantiga de amor, o trovador, fazendo eco de um ideal de amor cortês, exprime o seu amor não correspondido por uma dama a quem o amante deve um serviço de amor consubstanciado em atitudes de louvor, fidelidade, abnegação. O trovador refere-se à sua amada como sendo uma figura idealizada, distante enquanto que ele fica na posição de fiel vassalo, às ordens da sua senhora, suspenso na expectativa de satisfação de um desejo nunca consumado.
Exemplo de Cantiga de Amor:
“Senhora minha, desde que vos vi,
lutei para ocultar esta paixão
que me tomou inteiro o coração;
mas não o posso mais e decidi
que saibam todos o meu grande amor,
a tristeza que tenho, a imensa dor
que sofro desde o dia em que vos vi.”
São tipos de Cantiga de Amor: a Cantiga de Meestria: é o tipo mais difícil de cantiga de amor. Não apresenta refrão, nem estribilho, nem repetições (diz respeito à forma.) ; Cantiga de Tense ou Tensão: diálogo entre cavaleiros em tom de desafio sobre um conflito em torno de mesma mulher; Cantiga de Pastorela: trata do amor entre pastores (plebeus) ou de um trovador enamorado por uma pastora (plebéia); Cantiga de Plang: cantiga de amor repleta de lamentos.
A Cantiga de Amigo
Constituem a variedade mais importante e original da nossa produção lírica da Idade Média.
Nela, o eu-lírico é uma mulher (mas o compositor e cantor era masculino), que canta o seu amor pelo “amigo” (por “amigo”, entende-se amado ou namorado pois na altura o termo “amigos” entre um homem e uma mulher compreendia um vínculo amoroso), muitas vezes em ambiente natural, e muitas vezes também em diálogo com a sua mãe ou as suas amigas.
A figura feminina que as cantigas de amigo desenham é, pois, a da jovem que se inicia no universo do amor, por vezes lamentando a ausência do amado, por vezes cantando a sua alegria pelo próximo encontro. Muitas vezes tal cantiga também revelava a tristeza da mulher, pela ida de seu amado à guerra.

Fragmento das trovas de D. Dinis
Exemplo de Cantiga de Amigo ( Composto pelo rei D. Dinis):
“Ai flores, ai flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amigo!
ai Deus, e u é?(onde está ele?)
(…)
Se sabedes novas do meu amado,
aquel que mentiu do que mi há jurado!
ai Deus, e u é?”
Cantigas de Escárnio
Nas cantigas de escárnio, o troavador faz uma sátira a alguma pessoa. Essa sátira era indireta, cheia de duplos sentidos. As cantigas de escárnio definem-se, pois, como sendo aquelas feitas pelos trovadores para dizer mal de alguém, por meio de ambiguidades, trocadilhos e jogos semânticos.

Ilustração do Cancioneiro da Ajuda
Exemplo de Cantiga de Escárnio:
Rui queimado morreu con amor
Em seus cantares por Sancta Maria
ua(uma) dona que ele gran bem queria
e por se meter por mais trovador
porque lhela (ela) non o quis benfazer (corresponder ao amor)
fez-se ele en seus cantares morrer
mas ressurgiu depois ao tercer (terceiro) dia!..
A Cantiga de Maldizer
Ao contrário da cantiga de escárnio, a cantiga de maldizer traz uma sátira direta e sem duplos sentidos. É comum a agressão verbal à pessoa satirizada, e muitas vezes, são utilizados até palavrões. O nome da pessoa satirizada pode ou não ser revelado.

Ilustração do século XIII
Exemplo de Cantiga de Maldizer:
Ai, dona fea (feia), foste-vos queixar
que vos nunca louvo em meu cantar;
mais ora quero fazer um cantar
em que vos louvarei toda via;
e vedes como vos quero louvar:
dona fea, velha e sandia!(maluca) (…)

Prosa Medieval

A prosa literária teve um desenvolvimento mais tardio que a poesia e não apareceu até o século XIII, época em que adotou a forma de breves crónicas, hagiografias (*) e tratados de genealogia denominados “Livros de Linhagens”.
[(*) Hagiografia é um tipo de biografia, que consiste na descrição da vida de algum santo, beato e servos de Deus proclamados pela sua vida e pela prática de virtudes heróicas.]
O maior destaque da prosa medieval portuguesa são as obras denominadas “livros de cavalaria”, muitas delineadas em torno da “Demanda do Santo Graal” – um tema propagado por toda a Europa na altura.
Os romances ou novelas de cavalaria constituem verdadeiros códigos de conduta medieval e cavaleiresca. Costumam agrupar-se em ciclos, isto é, em conjuntos de novelas que giram à volta do mesmo assunto e movimentam as mesmas personagens. De carácter místico e simbólico, relatam aventuras consagradas à espiritualidade cristã e subordinam-se a um ideal místico, que sublima o amor profano. Estas narrações cavalheirescas, ainda que desprezadas pelos homens cultos nos finais da Idade Média e do Renascimento, gozaram do favor popular da altura, e tornaram famosas as intermináveis sagas de “Palmeirim”, em Portugal ou de “Amadis de Gaula ” em Espanha, considerados os melhores romances medievais de cavalaria da Península Ibérica, os quais Cervantes admitiu, ter ido buscar inspiração para escrever, mais tarde, a sua obra-prima “Dom Quixote”.
Ilustrações de Palmeirim e Amadis de Gaula, respectivamente
Ilustrações de Palmeirim e Amadis de Gaula, respectivamente
Cavaleiros com a insígnia da Coroa Portuguesa, representando a Batalha de Aljubarrota.
Cavaleiros com a insígnia da Coroa Portuguesa, representando a Batalha de Aljubarrota.
No final do século XIV, inicia-se uma nova etapa na literatura portuguesa. Nessa época, os Reis continuaram ligados à criação poética, mas estenderam-se para além da poesia e iniciaram-se também na prosa. O Rei D. João I, por exemplo escreveu o “Livro da Caça”, e seus filhos D. Duarte I e Pedro, Duque de Coimbra compuseram os chamados “tratados morais”.
Foi também nessa época que se iniciou a proliferação das “Crónicas” de Reis e heróis.
A tradição cronística portuguesa começou oficialmente com Fernão Lopes, que compilou as crónicas dos reinados de D. Pedro I, D. Fernando I e D. João I, combinando a paixão pela exactidão com uma especial destreza para a descrição e o retrato; mas antes dele já um escriba anónimo tinha contado a história heróica de Nuno Álvares Pereira na Crónica do Condestável, algo que lhe pode ter sido fonte de inspiração.
Gomes Eanes de Zurara, que lhe sucedeu no posto como cronista oficial é igualmente um historiador bastante fiável, cujo estilo, no entanto, está afetado pelo pedantismo e a tendência moralizante. O seu sucessor, Rui de Pina, evitou estes defeitos e ofereceu um relato se não artístico, pelo menos útil, dos reinados de D. Duarte, D. Afonso V e D. João II. A sua história do reinado deste último monarca foi, também, reutilizada pelo poeta Garcia de Resende, que a enfeitou com episódios vividos por si, em primeira pessoa.
 Thamie

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